“Mas consciência é consciência de ponta a ponta. Só poderia, pois, ser limitada por si mesma. Esta determinação da consciência por si não deve ser concebida como gênese, vir-a-ser, porque, no caso, seria preciso que ela fosse anterior à própria existência. Tampouco deve-se conceber esta criação de si como ato. Senão, com efeito, a consciência seria consciência (de) si como ato, o que não é. A consciência é plenitude de existência, e tal determinação de si por si é uma característica essencial.” - Jean-Paul Sartre. |
De onde vem a consciência? Como ela surgiu? No caminho para essas respostas tropeçaremos na incontornável questão do nada como precedente ao vir-a-ser. Como, a consciência poderia ter surgido do nada?
Jean-Paul Sartre, filósofo que recusou o Nobel de literatura em 1964, escreveu um tratado filosófico em 1943, “O Ser e o Nada” (SARTRE, 2007).
Filósofo existencialista, ateu, concebe o nada fora da criação divina. Para ele, o ser (nossa consciência) não poderia advir do criador, pois iria fundir-se a ele, e constata que nossa consciência não tem vestígios de divindade. Contundentemente, se tivesse sido criado o ser Em-si, seria inexplicável pela criação.
Não sustento que o ser Em-si não seja um ser criado pelo divino. Para objeto desta tese, ESCOLHI uma linha que segue a lógica pura, uma escolha científica e não teológica.
Mas a origem fora da criação, em Sartre, cria um paradoxo, pois equivale a dizer que o ser (consciente) é “incriado”, que não devemos supor que o ser cria-se a si, isso implicaria que ele deveria existir antes de si para que pudesse criar-se. Portanto, o ser não pode ser causa sui à maneira da consciência, é por fim, o si-mesmo, não é passividade nem atividade (que são noções humanas para designar condutas ou instrumentos).
Em Sartre não descobriremos os detalhes da gênese da criação (por talvez ser inexplicável), mas, se optarmos pela lógica pura, encontraremos o momento em que a consciência passa a existir: quando o Em-si, que é a plenitude do ser, precede e habilita o Para-si reconhecer-se entre os seres fazendo relações temporais e funcionais construindo um sentido para o mundo em que vive. Em outras palavras, é quando o ser JÁ se percebe no mundo e consegue afirmar “Eu sou e posso perceber-me diante de outros”.
De tal forma, para Sartre, o ser-Em-si é supérfluo para toda eternidade, não se deriva do nada, nem de outro ser, nem de nenhuma lei; é “incriado”, sem razão de ser, sem relação com outro ser (divino no que tange a origem). Fundamenta o ser em 3 categorias: o ser é, o ser é o que é, o ser é em-si.
| Significa que o ser é anterior ao nada e o fundamenta. Entenda-se isso não apenas no sentido de que o ser tem sobre o nada uma precedência lógica, mas também que o nada extrai concretamente do ser a sua eficácia. Expressávamos isso ao dizer que o nada invade o ser. Significa que o ser não tem qualquer necessidade do nada para se conceber, e que se pode examinar sua noção exaustivamente sem deparar com o menor vestígio do nada[1]. [1] SARTRE (2007). |
O deus bíblico responde a Moisés, em Êxodo 3:14, “Eu Sou o que Sou”. Teria sido o autor do Êxodo um filósofo estóico, ou usado tal lógica pura para conceber uma divindade?
E o que é o nada, então? De onde ele vem?
Nenhuma categoria pode habitar a consciência e nela residir como coisa. O nada não pode ser derivado do ser, ele está fora do ser. A condição necessária para que seja possível fazer uma nadificação é que o não-ser seja presença perpétua, em nós e fora de nós.
Ao tentar encontrar essa nadificação presente e perpétua na consciência, ele chega até Heidegger e Kierkegaard.
| Se nossa análise está no rumo certo, deve haver para o ser humano, na medida que é consciente de ser, determinada maneira de situar-se frente a seu passado e seu futuro como sendo essepassado e esse futuro e, ao mesmo tempo, como não os sendo. Podemos dar uma resposta imediata: é na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade, ou, se se prefere, a angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser; é na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesma em questão. Kierkegaard, descrevendo a angústia antes da culpa, caracteriza-a como angústia frente à liberdade. Mas Heidegger, que, como se sabe, sofreu profundamente a influência de Kierkegaard 16, considera a angústia, ao contrário, como captação do nada. |
Para Kierkegaard, encontramos a angústia frente a liberdade. Se temos a liberdade de pular de um penhasco, encontramos nessa mesma liberdade o sentimento de angústia diante da morte. A angústia se distingue do medo, já que o medo é medo dos seres do mundo, e angústia é angústia diante de mim mesmo. Então para Sartre, a nadificação é exercida no âmago da imanência absoluta, na subjetividade pura do cogito é onde devemos descobrir o ato original pelo qual o homem é para si mesmo seu próprio nada.